A palavra é uma arma acessível
a qualquer homem. Independente de credo, raça, sexo ou condição social. Sua
onipotência existe desde o que chamamos de história e resiste firme e forte,
até os dias atuais. Foi fundamentalmente em momentos críticos da história
conhecida e contada pelo homem, mudou rumos, criou verdades e mentiras,
imortalizou deuses e heróis como enterrou vilões e covardes. Foi à palavra que
informou e manipulou o homem, com o passar dos séculos. E ainda engana. É uma arma poderosa,
estridente. Completo afirmando que é uma arma acessível a qualquer homem desde
que o mesmo aceite o hercúleo desafio de manuseá-la, domina-la. Poucos se dedicam
a esse árduo, mas proveitoso, trabalho. A palavra é tão poderosa que, com um
simples disparo, pode destruir um ser. Aniquilar para sempre qualquer um que
duvide de seu poder. Nada de quebrar ossos, deixar hematomas ou dilacerar a
pele. Seu poder é maior. Invade o corpo e atinge a mente. A alma. Transforma o
pobre ser, vitima do disparo, em homem-zumbi incapaz de se reerguer perante a
sociedade e as futuras gerações.
Quem faz historia são as
pessoas que a escrevem (talvez a seu bel-prazer, já que a historia é escrita
pelos vencedores); que documentam os fatos. A arte da palavra faz com que
conheçamos interpretações do nosso passado. Ter história. Verdadeira ou não,
mas ter história. Sem a palavra escrita, documentada, o passado seria uma
incógnita. E o presente, primitivo. Já que aprendemos com os erros dos nossos
ancestrais para evoluir. E evoluímos, seja na ciência, espírito, ou
comportamento social, graças aos antepassados.
A palavra é arte, de onde
deriva a literatura, outra arte. Ai entram em cena os escritores e oradores. É evidente que ao falar-se de literatura, não
se pode considerar nem a fala usual, nem a escrita corriqueira. A literatura é
a arte de criar beleza por meio da palavra, como diria Helio Sodré – autor do
celebre “História universal da eloquência”.
Se a palavra escrita fica
eternizada em livros e um grande número de pessoas pode ter acesso, a palavra
falada é a mais poderosa. “O estudo dos livros é uma atividade fraca e
repousada que não entusiasma, ao passo que a discussão ensina e exercita ao
mesmo tempo”, disse Montaigne. A eloquência lida com a voz e com os gestos. Por
isso é a mais viva e a mais mortal das artes.
A mais viva porque é palavra, voz e gesto. Quando bem usada empolga
multidões. A mais mortal porque os oradores levam consigo, para o túmulo, dois
dos seus requisitos primordiais: a voz e o gesto. Mas que importa que a
eloquência é a mais mortal das artes se, quando em ação, nenhuma outra consegue
sobrepuja-la?
Toda arte sugere, comunica,
convida. Mas, a eloquência impõe. O efeito das outras artes é lento, o da
oratória imediato. Um livro age vagarosamente; a eloquência, vertiginosamente.
Usando mais uma vez as brilhantes palavras de Hélio Sodré: “Um livro – palavra
escrita – pode gerar uma revolução. Mas a eloquência – palavra falada – pode
desencadear a revolução”. E isso porque a eloquência não se satisfaz, apenas em
expressar um sentimento ou traduzir uma ideia. Seus objetivos são maiores. Além
de expressar, aspira convencer e persuadir. O orador perfeito deve reunir em
si, não só as qualidades de filósofo, mas também as do poeta e as do ator.
Poeta, para deleitar e comover, falando ao coração e ao sentimento. Filósofo,
para instruir e convencer, falando à razão e ao entendimento. E ator, para dar
vida e vigor às suas palavras.
É quase impossível não admirar
um discurso eloquente. Cometendo o sacrilégio de “tomar as palavras
emprestadas”, exemplifico com o belo discurso de Caio Graco – notável tributo
da Roma Antiga – que antes de defender uma causa perdida, ganhou o público com
sábias palavras: “Cidadãos, se sois inteligentes e honestos, não encontrareis,
entre nós, um único que fale sem esperança de recompensa. Todos os oradores
querem conseguir qualquer coisa. Eu próprio, que vos falo, e falo para
acautelar os vossos interesses e aumentar os vossos rendimentos, também não o
faço desinteressadamente. Simplesmente, não espero de vós dinheiro, mas sim
atenção e aplauso!”. Só para constar, Caio Graco – jovem orador romano, em um
dos seus primeiros discursos – ganhou a causa. Talvez tenha se saído muito bem
ter feito uma boa introdução. Ganhou o respeito dos concidadãos, e se sentiu a
vontade no tribunal.
Para finalizar esse breve
elogio à palavra, cito Victor Hugo: “Uma palavra caída de uma tribuna cria
sempre raízes em alguma parte. Dizeis: não é nada, é um homem que fala.
Encolheis os ombros. Espíritos de curto alcance! Dizeis que não é nada e é um
futuro que germina, é um mundo que desabrocha!”
Rafael Calheiros
Resenha do livro
História Universal da Eloquência de Hélio Sodré.
Publicado em 16 de agosto
de 2007.