A leitura é um conhecimento
construído de experiências únicas? Um desejo de viver?
Na verdade, a leitura está
relacionada não só a estes questionamentos, mas a inúmeros outros. O ato de ler
é representado por meio da escrita, do som, da arte, dos cheiros. Cada leitor
possui uma experiência própria, cotidiana e pessoal, tornando a leitura única, Incapaz
de se repetir, e este é o seu grande encanto.
Através deste recurso
fabuloso, conseguimos o total domínio da palavra, traçando ideias e Conhecimentos,
sendo possível entender o mundo que nos cerca, nos transformamos e, ao nos transformar,
abrimos nossas mentes para o desconhecido, passando assim a construir um mundo melhor
para cada um de nós.
Por meio da leitura resgatamos
nossas lembranças mais especiais, que fazem parte da nossa cultura. Essa
cultura que nos foi dada tem como finalidade a formação de cidadãos críticos e
Conscientes de seus atos,
porém essa cultura se dilui e se perde diariamente, e é este saber, esta cultura
que precisa ser recuperada. Podemos ressaltar que a leitura não se constitui em
um ato solitário, nem em atividades individuais, o leitor é sempre parte de um
grupo social, certamente carregará para esse grupo elementos de sua leitura, do
mesmo modo que a leitura trará vivências oriundas do social, de sua experiência
prévia e individual do mundo e da vida.
Ao ler um texto ou um livro,
interagimos não propriamente com o texto, mas com os leitores virtuais, que são
constituídos no próprio ato da escrita. O autor os cria em seus textos e o leitor
real, lê o texto e dele se apropria. O texto passa assim a exercer uma mediação
entre sujeitos, tendo a influência de estabelecer relações entre os leitores
reais ou virtuais. O conceito de leitura na maior parte das vezes está
relacionado com a decifração dos Códigos linguísticos e sua aprendizagem. No
entanto, não podemos deixar de levar em consideração o processo de formação
social deste indivíduo, suas capacidades, sua cultura política e social.
Martins define de uma forma
bem simples e objetiva o que é ler, mostrando que este ato não é simplesmente
um aprendizado qualquer, e sim uma conquista de autonomia, que permite a ampliação
dos nossos horizontes. O leitor passa a entender melhor o seu universo,
rompendo assim as barreiras, deixando a passividade de lado, encarando melhor a
face da realidade.
Saber ler e escrever, já entre
os gregos e romanos, significava possuir as bases de uma educação adequada para
a vida, educação essa que visava não só ao desenvolvimento das capacidades
intelectuais e espirituais, como das aptidões físicas, possibilitando ao
cidadão integrar-se efetivamente a sociedade, no caso à classe dos senhores,
dos homens livres dentro de toda uma sociedade, de uma cultura, não podemos nos
esquecer, que a peça fundamental de todo este processo, primeiramente, somos
nós. Ler também faz parte de um contexto pessoal. Temos que valorizá-lo para
podermos ir além. Além de tudo o que se pode simplesmente ler, ir até onde
nossa imaginação possa ser capaz de nos levar.
Sartre, em seu relato
autobiográfico, mostra uma perspectiva mais realista, porém não menos interessante
sobre a inicialização da leitura, em que nos mostra que ler está além das
letras impressas no papel. Em sua obra
nos fala como foram suas primeiras experiências com a leitura, sendo o seu
primeiro livro intitulado: “Tribulações de um chinês na China”.
“[...] transportei-me para um
quarto de despejo; aí, empoleirado sobre uma cama de armar, fiz de conta que
estava lendo: seguia com os olhos as linhas negras sem saltar uma única e me contava
a história em voz alta, tomando o cuidado de pronunciar todas as sílabas (...)
fiz com que me surpreendessem _, gritaram admirados e decidiram que era tempo
de me ensinar o alfabeto. Fui zeloso como catecúmeno; ia a ponto de dar a mim
mesmo aulas particulares; eu montava na minha cama de armar com o Sem família
de Hector Malot, que conhecia de cor e, em parte recitando, em parte
decifrando, percorri-lhe todas as páginas, uma após outra: quando a última foi
virada, eu sabia ler. (p.15)”.
O simples ato de ler passou a
ser uma fantástica aventura, onde as barreiras do mundo não passavam de meras
casualidades para ele. Sartre passou a enxergar os livros, o ato de ler, com outros
olhos, mostrando-nos que a leitura vai além de todas as nossas perspectivas, se
nos deixarmos envolver por ela. A curiosidade passa a ser a necessidade de
alimentar o imaginário, desvendar os segredos do mundo e dar ao leitor o
conhecimento de si mesmo através da maneira que lê e encara o mundo. Dá-nos a
impressão de o mundo estar ao nosso alcance, não só o compreenderemos,
aprenderemos a conviver melhor, mas até modificá-lo à medida que incorporamos
as experiências vividas em uma leitura.
Eu iria escutá-las,
encher-me-ia de discursos cerimoniosos e saberia tudo. Deixavam-me vagabundear
pela biblioteca e eu dava assalto à sabedoria humana. Foi ela quem me fez...
Nunca esgaravatei a terra nem farejei ninhos, não herborizei nem joguei pedras
nos passarinhos. Mas os livros foram meus passarinhos e meus ninhos, meus
animais domésticos, meu estábulo e meu campo; a biblioteca era um mundo colhido
no espelho; tinha a espessura infinita, a sua variedade e a sua
imprevisibilidade. Eu me lançava às incríveis aventuras: era preciso escalar
cadeiras, as mesas, com o risco de provocar avalanches que me teria sepultado.
Paulo Freire afirma que
“ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo; os homens se
educam em comunhão, mediatizados pelo mundo”.
Sartre e Burroughts nos
indicam que o conhecimento da língua não é suficiente para se efetivar a
leitura, é necessário algo mais. Precisamos adquiri-la, a partir de situações
comuns que se interpõem em nosso dia-a-dia, ou seja, devemos nos abrir para compreender
não só o mundo da leitura, mas também a sociedade em que vivemos, pois sem o
encontro destes dois ingredientes nosso processo de leitura nunca estará
completo, pois o verdadeiro leitor nunca é passivo diante do texto; ao
contrário, ele é o responsável direto dos sentidos que imprime a esse texto.
Danielle Santos de Brito
Fonte:
http://www.fals.com.br/revela11/Artigo4_ed08.pdf
Periódico de Divulgação
Científica da FALS
Ano IV - Nº VIII- JUN / 2010 -
ISSN 1982-646X